quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

A importância da semana de arte moderna de 1922

“O pensamento de uma sociedade reverbera-se na arte.”
Washington Machado (2013).

O contexto social, político, histórico, econômico e artístico do Brasil no início do século XX, era de um país recém republicano que se conduzia para os avanços industriais e urbanos. Suas cidades passaram a se desenvolver velozmente. A imigração trouxe fortes influências para este processo de modernização. Contudo, os intelectuais da época já discutiam novidades e tendências em detrimento das linguagens academicistas e conservadoras da arte brasileira que imperou no século anterior. A imprensa, por sua vez, tratou de disseminar os pensamentos revolucionários que se baseavam nas vanguardas européias.

Na Europa, os primeiros movimentos vanguardistas foram o Fauvismo, o Expressionismo e o Cubismo: O primeiro consistia propriamente de uma técnica de pintura que estava marcada pela exploração da cor e de suas formas simples, que retratavam temáticas ingênuas, bem como paisagens de cores extremamente contrastantes. Este movimento vanguardista teve início em 1905, no Salão de Outono do Grand Palais, França. O nome Fauvismo foi dado por um crítico que pretendia designar pejorativamente o grupo de artistas como feras (Fauves); O segundo movimento e, paralelamente, nascido na Alemanha, teve efetivamente dois grupos que fundamentaram sua vanguarda expressionista. De um lado os componentes de Die Brucke (A Ponte) e de outro, o grupo Blaue Reiter (O Cavaleiro Azul). Ambos apresentavam características em comum, porém propostas distintas. Os artistas de A Ponte optavam por temáticas emotivas que representavam as angústias sociais, tinham também suas cores violentas e, ao mesmo tempo, puras. Porém traços e linhas extremamente expressivas. Já os integrantes de O Cavaleiro Azul buscavam obstinadamente a fuga da realidade. Esta vanguarda foi inteiramente marcada pelas influências dos conflitos individuais e sociais de uma Alemanha que se munia da indústria bélica para a, talvez ansiada, primeira guerra mundial; O terceiro movimento vanguardista das artes visuais pretendia uma nova construção da forma, uma espécie de desconstrução da imagem e sua aparência estética sobre multifacetados pontos de vista, que se fundamentava em aspectos espirituais e emocionais dos indivíduos. O movimento Cubista teve inicialmente o seu período Analítico, que consistia da exploração das formas sobre um único plano e a utilização de pigmentos monocromáticos, as composições deste período chegavam quase à abstração. Posteriormente o Cubismo teve o seu período Sintético, que buscava temáticas menos abstratas e mais reconhecíveis, além da utilização de objetos em colagens que permitia à pintura o aspecto tridimensional.

Dessas vanguardas européias, alguns artistas brasileiros acabaram introduzindo suas influências na produção artística nacional. Como foi o caso da exposição de 1917 de Anita Malfatti e as obras de Lasar Segall, que foram responsáveis pela produção do expressionismo no Brasil.

1922, a semana que se estendeu dos dias 13 a 18 de fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo, tornou-se marco simbólico da divisão entre o modernismo e as correntes artísticas anteriores. O projeto integrava as festividades do centenário da Independência do Brasil, contudo sua importância consistia, sobretudo, da necessidade do país em acompanhar os avanços da modernidade mundial. Patrocinada pelo governo e pela elite cafeicultora que acreditava na empreitada dos intelectuais altamente engajados na economia e na política do país, A Semana de Arte Moderna (SAM) foi o evento que simbolizou o rompimento da cultura tradicional em rumo às novas tendências do mundo ocidental. Entretanto este movimento nacional, por mais que tenha sido o maior evento coletivo da manifestação cultural brasileira, não deixou de ser uma organização de ideais políticos e econômicos que visavam não somente um novo vocabulário artístico inteirado com o mundo moderno, mas também buscava chamar a atenção, desta vez, não para um processo “civilizatório” que aconteceu no Reinado de Pedro II, mas sim para o processo de modernização do país em relação ao mundo. Durante os dias do evento houve apresentações musicais, discussões sobre obras literárias e arquitetônicas, debates intelectuais e exposições com mais de 100 obras de artes visuais. O evento teve suas influências providas da Semaine de Fêtes de Deauville, festival de pintura, música e moda da França. A ideia da SAM era de também fazer um festival artístico não só para a comemoração do centenário da independência, mas também de proporcionar um evento que emancipasse a arte brasileira. E, especialmente, os objetivos eram de chamar a atenção da sociedade de forma mais efetiva, embora houvesse também o objetivo iconoclasta de romper com a tradição artística que vigorava até o início do século. Contudo, a semana de 1922, não tinha uma proposta estética própria da arte brasileira, não se tratava de uma nova vanguarda artística, mas sim o que sobrevestia eram os propósitos intelectuais de mudar a imagem da arte nacional, buscando uma sintonia com o que era mais atual na Europa, legitimando o período da arte moderna no Brasil.

A importância da Semana de Arte Moderna de 1922 veio calhar efetivamente nos anos seguintes, onde seu clima de mudanças possibilitou a criação de alguns manifestos extremamente importantes para a história e os avanços da arte brasileira. Como foi o caso do Manifesto do Pau-Brasil (1924), De Oswald de Andrade, que defendia uma poesia pura, sem contaminações de arquétipos pré-estabelecidos para a prática artística, visando, sobretudo, o olhar mais apurado sobre as questões brasileiras, um olhar de dentro pra fora. Também houve o Manifesto Antropofágico (1928), do mesmo Oswald de Andrade, que dizia que “só a antropofagia nos une”, metaforicamente era o processo de digerir o legado cultural europeu de forma tipicamente brasileira. No Recife, defendendo o sentimento nordestino e criticando o nacionalismo de influência européia do Manifesto do Pau-Brasil, o antropólogo, historiador, sociólogo, polímata brasileiro, Gilberto Freyre desenvolveu o Manifesto do Verde-Amarelismo, que defendia o nacionalismo de caráter mais primitivista.

Capa do catálogo da Semana de Arte Moderna de 1922

O Artista Di Cavalcanti foi um dos idealizadores da SAM e o mesmo foi o responsável para criar a capa do catálogo do projeto que pretendia inserir a arte moderna no Brasil de forma impactante. A peça promocional do evento tem como figura central uma mulher nua e um fundo que remete a ideia de uma vegetação tropical, tipicamente brasileira. O que podemos supor, talvez, que a figura desnuda simboliza a própria modernidade e o fundo da imagem efetivamente identifica o cenário arquetípico da iconografia brasileira.

Di Cavalcanti (1922) https://encrypted-tbn1.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcTLzKykuv9_fYn9EC_oVH36gmff_Nua-AWHIN_HraWH8RCC2x-B

Washington Machado

Nenhum comentário:

Postar um comentário