quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Os pintores do Império e a afirmação de uma identidade nacional

Um olhar sobre o Segundo Reinado

Durante o Reinado de D. Pedro II (1840-1889), o Brasil passou por alguns momentos de tensão política, como a revolução Farroupilha, revolução Praieira, guerra com o Paraguai e, por fim, a proclamação da república, que acarretou em disputas entre partidos liberais e conservadores. No entanto, no cenário econômico, o café despontava com as exportações e seu auge trouxe bastantes lucros para o investimento industrial. Entretanto a mão de obra escrava entrou em crise com a forte pressão da Inglaterra para que o Brasil aderisse a abolição da escravatura. Contudo, o império de D. Pedro II declinou a partir de suas fortes interferências na poderosa Igreja Católica, que, somado aos fatos da corrupção imperial, levantou a insatisfação da população que, por sua vez, já compactuavam com os ideais abolicionistas e republicanos. O estopim se deu com o descontentamento do exército e da classe média que era a principal financiadora das revoluções. A abolição da escravatura também gerou insatisfações com os grandes proprietários rurais, que aumentaram seus custos com a mão-de-obra. Portanto, em 15 de novembro de 1889, o Marechal Deodoro da Fonseca, com o forte apoio da população, instaurou a república no Brasil, depondo o imperador e tornando-se o primeiro presidente do país. Indiferente, frio, distante e introvertido, na infância foi um garoto com maturidade a frente da idade. Educado pelo Marquês Itanhaem, o Imperador aprendeu a ser justo, sábio, ponderado e, sobretudo, avesso às extravagancias tipicamente que caracterizaram o seu pai, Pedro I. A pesar de tudo, o Pedro II também foi um Mecenas, grande influenciador e colecionador de arte. Patrocinava artistas e intelectuais brasileiros, e por ser também um grande intelectual, ele incentiva a cultura etnográfica brasileira, buscando equiparações e referências com o velho continente Europeu foi que se deu início à geração de artistas ligados à formação acadêmica, que posteriormente retrataram a imagem do período imperial.

Os discípulos da Missão Artística Francesa de 1816: a Europa como espelho

Os estudos acadêmicos sistematizados das normas neoclássicas começaram com os mestres da missão artística francesa, tendo este modelo posteriormente adaptado às necessidades da realidade brasileira. Contudo os alunos enfrentavam diversas dificuldades, entre elas o status de classe social desfavorecido, a falta de base educacional para o conhecimento do idioma estrangeiro, poucas referências monumentais da cultura brasileiras, falta de condições para viajar à Europa e, sobretudo, falta de mercado de trabalho. Alguns professores regressaram à França por volta de 1831, porém o discípulo de Jean-Baptiste Debret, Manuel de Araújo Porto Alegre conseguiu, com muitas dificuldades, uma bolsa de estudos na França, onde aperfeiçoou seus estudos artísticos e intelectuais. De regresso ao Brasil, Porto Alegre foi nomeado por Pedro II como Diretor da Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, a pedido de seu mestre, Debret, antigo diretor que escreveu carta de jubilação para o imperador. Assumindo as ideias progressistas de seu mestre, Porto Alegre criou uma reforma curricular no curso de belas artes, a famosa Reforma Pedreira constituía do acréscimo de novas disciplinas ao programa do curso, como foi o caso das cadeiras de desenho geométrico, desenho industrial, teoria das sombras e perspectiva, matemáticas aplicadas, escultura de ornatos e história e teoria das artes, estética e arqueologia, objetivando adaptar a instituição aos progressos técnicos do século XIX, fazendo da corte imperial e o Rio de Janeiro, uma cidade sintonizada com a “civilização”. Espelhando-se ao modelo europeu, Alegre defendeu a pintura histórica em supremacia às demais formas de representação. Os ex-alunos que pretendiam ser professores da academia, eram submetidos a um concurso que constitui de três provas das quais a última seria a representação de temas históricos, frequentemente do antigo testamento ou da mitologia grega.

Os artistas do Segundo reinado e a consolidação de um imaginário nacionalista

Com a guerra que durou seis anos (1864-1870), obtendo-se a dominação do território paraguaio pelo exército imperial, o Brasil do segundo reinado teve esse marco importante para a concretização da identidade nacional. O Paraguai era considerado um país não civilizado, o que cabia ao seu vizinho mais poderoso a incumbência de “civiliza-lo”. E a arte foi a ferramenta utilizada neste processo civilizatório que construiu para uma boa imagem do Brasil no consumo exterior. Sendo a arte um instrumento inegável de civilização, o Imperador encontrou no mecenato uma forma de garantir a boa imagem da iconografia oficial, uma espécie de publicidade de governo pioneira na américa do sul daquela época. A composição imagética das pinturas históricas tinha cunho pedagógico, buscava raízes na antiguidade e visava propagar uma mensagem moral para a sociedade da época. Era, portanto, de interesse do Imperador financiar os artistas da Academia de Belas Artes na produção de obras que retratavam os feitos imperiais. A exemplo temos os dois principais pintores do período, Pedro Américo e Victor Meirelles de Lima.

Sobre Pedro Américo de Figueiredo e Mello

Nascido na Paraíba, precisamente na cidade de Areia, no interior do estado. Ainda garoto já demonstrava sua propensão para as artes visuais. Com o consentimento do seu pai que era um pequeno comerciante, Américo viajou em uma expedição do Museu Nacional com o cientista Louis Jacques Brunet quando ainda tinha apenas dez anos de idade. Seu talento pelas artes visuais foi recomendado por Brunet ao Governador da Paraíba Sá e Albuquerque e posteriormente teve os estudos patrocinado pelo imperador na Academia de Belas Artes em 1855. Seu esforço era notável e seu sonho era viajar à Europa. Em 1859 ele foi condecorado com o prêmio prestigioso e conseguiu uma bolso de Pedro II para estudar em Paris. Leon Cogniet e Sebastien Cornu foram seus mestres na França. Porém, em 1864 o imperador ordena seu regresso ao Brasil para o concurso público da Academia de Belas Artes. Mesmo tendo sua nomeação aprovada em 1866, Américo decide não assumir o cargo imediatamente e resolve retornar à França, onde permanece até 1869. Orgulhosos com a vitória contra o Paraguai, o Brasil vive um período de extremo nacionalismo. E nesse contexto é que Pedro Américo pisa no solo brasileiro depois de sua segunda estadia na França. Nesse período ele pinta sua primeira tela de história. Tendo como tema a batalha de Campo Grande, uma imagem heroica da monarquia brasileira. Sua obra foi adquirida pelo governo imperial, trazendo-lhe maior notoriedade e fama, Américo foi homenageado por botânicos e poetas. A partir daí se deu a construção de uma identidade estética da arte nacional. Já consagrado, em 1879, foi encomendado uma outra pintura histórica, A Batalha do Avaí (Figura 1).

Figura 1: Pedro Américo, A Batalha de Avaí. Óleo sobre tela, 10.0 m x 5.0 m. 1877. Museu Nacional do Rio de Janeiro. Domínio Público. Fonte: http://www.dezenovevinte.net/bios/bio_pa_arquivos/avahy.jpg

Sobre Victor Meirelles de Lima

Nascido em 18 de agosto de 1832, na cidade de Nossa Senhora do Desterro, atual Florianópolis. Victor Meirelles de Lima era filho de imigrantes portugueses. Garoto prodígio, como Pedro Américo, aos 14 anos ganhou uma bolsa para estudar na Academia de Belas Artes. Premiado por seu mérito artístico na academia, ganhou outra bolsa de estudos, desta vez para a Europa, em 1852. De regresso, foi aprovado em concurso e tornou-se professor da academia, posteriormente foi homenageado com a Ardem da Rosa pelo Imperador Pedro II, que o consagrou como uma das maiores expressões das artes visuais do séc. XIX. Suas obras tinham características românticas, suas pinturas de guerra tinham grande concorrência com as de Pedro Américo, e sua estética contribuía para a construção de uma identidade nacional que visava dissociar a imagem da barbárie brasileira de um sistema escravocrata que estruturava a economia e a sociedade brasileira. Sua Opus Magnus talvez tenha sido A primeira Missa no Brasil (Figura 2), que acentuava a religião católica, distanciando-se dos conflitos bélicos e, ao mesmo tempo, revelava o povo mestiço brasileiro. Era um projeto ‘publicitário’ civilizatório do qual os artistas da época conscientemente adquiriram. Uma estética de ideais nacionalistas que empregavam sentido didático nas suas obras de temas políticos, heroicos e patrióticos. Entretanto Meirelles e Américo disputavam, visivelmente, a maior posição entre os pintores do império. A maior suspeita desta disputa teve repercussões midiáticas das críticas de arte da época, quando o governo encomendou aos dois artistas obras sobre duas grandes batalhas. De um lado, Pedro Américo com A Batalha do Avaí e de outro, Vitor Meirelles com A Batalha dos Guararapes (figura 3).

Figura 2. Victor Meirelles: Primeira missa no Brasil, 1860. Óleo sobre tela, 268 x 356 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Domínio Público. Fonte: http://presentepravoce.files.wordpress.com/2009/04/784px-meirelles-primeiramissa21.jpg

Figura 3. Victor Meirelles: A Batalha dos Guararapes, 1875-1879. Óleo sobre tela, 500 × 925 cm. Rio de Janeiro, Museu Nacional de Belas Artes. Domínio Público. Fonte: http://brasilindependente.weebly.com/uploads/1/7/7/1/17711783/6099390_orig.jpg

Este fato foi considerado posteriormente pelo historiador e crítico de arte, Donato Mello Junior como A Questão Artística de 1879. As obras tiveram seus simpatizantes, favoritismos de todos os lados. Porém, segundo os críticos e historiadores, a obra de Meirelles tinha maior fidelidade histórica que a de Américo. Os debates e críticas sobre as duas obras tiveram grande repercussão durante todo o período de exposição das pinturas, e as discussões foram tão acirradas e violentas que ambos os artistas foram até acusados de plágio.

Os críticos questionavam de um lado, a falta de ação e o artificialismos dos personagens na obra de Meirelles, quanto à tela de Américo, em contrapartida, a discussão era sobre a falta de unidade e o excesso das ações. Contudo, a maior significação dos dois quadros estava além das discussões intelectuais e artísticas, pois o fato mais importante é que os dois artistas foram os principais responsáveis pelo processo ‘civilizatório’ e pela construção da identidade da arte nacional.

Washington Machado

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