sábado, 9 de maio de 2015

Análise do belo e do feio a partir das concepções estético-filosóficas de Platão, Aristóteles e Kant na pintura de Francisco Goya




Francisco José de Goya y Lucientes (1746-1828) foi um artista espanhol conhecido por suas pinturas e gravuras que retratavam desde a beleza à feiura como extremismos estéticos. Analisaremos aqui uma de suas obras para estabelecer estes dois pontos distintos na filosofia estética dos pensadores citados acima. A imagem em questão é o quadro intitulado de “A lâmpada do Diabo” ou também conhecido como “O Exorcizado”. Esta tela (figura 1) compõe uma série de oito pinturas encomendadas pela duquesa de Osuna. O tema ilustra a cena de uma comédia de Antônio Zamora, encenada pela primeira vez em 1698, que narra uma piada acerca de um assustado em sua noite de núpcias, que segura uma vela acreditando que sua vida duraria apenas o tempo em que a luz permanecesse acesa. Desesperado, o homem acaba derramando óleo sobre a lâmpada segurada pelo próprio Diabo enquanto burros o assistem. A temática, embora aparentemente obscura, trata-se de uma crítica à ignorância que conduz tais crenças. A obra em questão é bastante relevante quanto à estética do feio, pois compõe à cena figuras horrendas e grotescas, como o Diabo e os burros respectivamente. Provocando um juízo de valor estético que remete ao escalafobético.

A partir do conceito de beleza empregado por Platão (428-348 a.C.), filósofo grego, discípulo de Sócrates (469-399 a.C.), a arte consiste numa cópia do belo da natureza, que por sua vez é superior ao primeiro. Sendo inclusive a natureza uma cópia já imperfeita, arruinada do mundo das ideias. Portanto, para Platão em sua teoria sobre o belo, a arte é a cópia da cópia e a única beleza que possuía pureza e a verdade imutável e eterna estava no mundo divino das ideias. Esta concepção, se empregada ao crivo da obra de Goya em questão, causaria um distanciamento ainda maior, tendo em vista que se trata de uma cópia de uma cena poético-dramática, que já é a cópia, em partes, da natureza que copia o mundo ideológico. Contudo, as técnicas de pintura de Goya nem sempre retratam as figuras com perfeição. Isto é, existe uma certa desproporcionalidade proposital que provavelmente Platão e Sócrates o condenaria.

Para Aristóteles (Grécia, 385-322 a.C.), a beleza não está no mundo supremo das ideias idealizado por Platão, mas sim no próprio objeto estético em questão. Isto é, a beleza está nas proporções das coisas palpáveis e, sobretudo, no objeto catártico, que leva à catarse, termo empregado pelo filósofo para designar o arrebatamento, espécie de purificação que se dá em contato com o objeto do belo e da arte. Tendo em vista as proporcionalidades da beleza, o pensador passa a levar também em consideração a feiura e o desproporcional, uma vez que este também proporciona a catarse. Neste caso a obra de Goya teria papel preponderante na relação com o objeto estético, uma vez que a estrutura dramática da tela esboça os elementos citados por Aristóteles em sua poética, como por exemplo, a mimética das figuras pintadas e o fator cômico, que o filósofo já definira como estética do feio, por tratar das convicções dos homens inferiores e viciosos.

Contudo, para o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), a beleza é “a satisfação determinada pelo juízo de gosto”. Isto é, aquilo que é agradável e que se torna universal sem precisar do próprio conceito. Esta opinião contrária à ideia de que a beleza está no objeto cuja definição veio de Aristóteles constitui uma das quatro definições paradoxais acerca do belo em Kant. Sendo esta, a primeira; a segunda consiste na sensibilidade e imaginação, ou seja, a beleza parte de uma necessidade subjetiva; entretanto, para o filósofo alemão, o juízo estético parte do prazer experimentado. E esta concepção caracteriza o terceiro paradoxo da beleza. Onde ele distingue em prazer interessado, quando o objeto estético resulta do interesse físico, e o prazer desinteressado, isto é, quando o objeto do belo resulta de uma alegria gratuita, de um sentimento desprovido de interesses, livre; Kant conclui sua teoria da beleza com o quarto paradoxo, que constitui uma análise teleológica, o que significa a análise das finalidades do objeto do belo. E com isso ele define que existe a beleza aderente, que é a que constitui um fim útil nas coisas, que adere o propósito do objeto belo; e a beleza livre, que é a relacionada às finalidades, sendo estas de cunho extremamente subjetivo. No contraponto à obra de Goya, esta beleza estética de Kant também se enquadra perfeitamente. Uma vez que o artista pinta suas elucubrações, seus anseios, aflições e aspirações acerca do subjetivo, composições imagéticas que o considera como produto do belo, mesmo possuindo muitas vezes o aspecto estrambólico e medonho.

Assim sendo, a concepção de beleza e de feiura, portanto, trata-se de uma construção da subjetividade dos seres humanos. E é a partir desta definição, que a experiência estética rompe com os arquétipos e conquista sua liberdade suprema.

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